8.3.06

A TOLICE COMO MALDADE EM PLATÃO


Sócrates elevou a verdade à condição de valor moral; isso só já lhe valeria senão a cicuta, a maioria das ostrákoni. Todavia, ainda não satisfeito, aprofundou-se mais e a pôs acima de todos os valores humanos, inclusive como mediatizadora do valor dos homens. Ah, atenienses, como foi lassa a vossa demora!

Inclusive porque estando morto o mal, nada sobreviera de bom, vez que lançara já as suas sementes. A mais produtiva delas, Platão, o segundo dos grandes malfeitores da humanidade.

Até o tempo de Platão, não se imaginava um mundo melhor, mas mundos superiores, o que é bem diferente. Eram mundos de deuses e criaturas poderosas e voluntariosas: melhor, eram mundos de criadores, em que a vontade preponderava acima de quaisquer coisas.

Sócrates, como já dito, valorou moralmente a verdade. A falta de Platão? Crer que o nosso mundo deveria ser melhor. O que é a República, se não isso? Suponhamos que o resolvêssemos perdoar pela suprema imbecilidade que fez ao dizer que o homem justo é feliz e o injusto, infeliz, como se houvesse uma causalidade entre ser feliz e ser justo; poder-se-ia neste caso, eximi-lo?A minha opinião é que não, jamais...

Pois ele cometeu o crime de, ao não achar suficientemente bom o mundo que temos crê-lo por isso também injusto, como se a justiça não fosse apenas uma palavra tranqüilizadora. Essa é a base do platonismo: a idealização das formas reais, não como se elas não bastassem, mas como se elas devessem ser corrigidas.

Com base nisso, discorreu sobre o Estado ideal, ou seja, a maneira ideal pela qual os seres humanos deveriam se comportar e viver. É mais fácil, inclusive, desculpar-lhe a defesa do infanticídio, da inferioridade feminina e da escravidão das raças mais débeis, por que concernentes à sua época, do que as suas palavras em prol de uma sociedade governada por filósofos, i.e., pelos homens de saber.

Reparem a baixeza: Sócrates já colocara a verdade [e, portanto o conhecimento] como valor supremo dos homens; Platão o elevara a valor social. Sim, o governante não era o bom [no sentido helênico, não nosso miserável sentido cristão], ou o forte, ou o sábio [que não se deve confundir com o inteligente], mas o filósofo, i.e., aquele que investigava as coisas e perscustava os fatos. Como se os fatos tivessem uma natureza que devesse [espero que reparem que devessem é diferente de pudessem] ser percustada.

A partir disso, Platão dedica-se a imaginar o Estado Ideal, corolário de uma sociedade ideal, onde homens viveriam idealmente. Era o devir colocado acima do ser numa escala que nem Sócrates tivera a indecência de conceber. Era o Ideal colocado adiante do Real, o que deveria ser sobre o que é, a fantasia acima da realidade. Em suma, a impotência diante de tudo que é e se não concorda pseudamente transformada em "vontade transformadora".

Platão teve medo da vida real, sentiu se fraco perante ela, viu-a como errada, em suma: negou-a. Comportou-se como um suicida social e derramou a sua fraqueza aos olhos já frágeis, femininos e lacrimejantes de uma raça inevitavelmente decadente, que não foi capaz de eliminar a tempo a primeira serpente que surgira, deixando-a pôr ovos e a gerar esta outra víbora.

Um negador da existência, um fraco a quem existir aterrorizava. Pior, não desagradável de se ler. Sorte nossa é que em geral se tende bastante à obtusidade e não se dedica com freqüência à leitura. O que não seria problema se suas idéias corruptas não tivessem servido de alicerce para o Inimigo da Humanidade, o homem cuja mera pronúncia do nome deveria provocar os piores sentimentos viscerais: Paulo de Tarso.


O ERRO SOCRÁTICO

Nas civilizações fortes, quaisquer que sejam elas, não se fazia bom. Nascia-se bom. Desta forma, esta virtude específica não era um objetivo, mas uma prerrogativa dos bem nascidos, dos nobres. Sócrates não nasceu bom; ao contrário, diz-se que era um poço de maus instintos.
Todavia, certo dia um amigo lhe disse que fora informado por um deus ser o mais sábio dos homens e pôs-se a inquirir os outros e a mostrar como eram tolos e como pouco sabiam. Fez Sócrates uma grande descoberta: a do último dos males que escaparam da caixa de Pandora, a da relativização dos valores.
Na verdade, o que indiretamente lhe disse o Deus era que este era o mais sábio dos homens. Mas qual seria o valor disso? Qual o valor de ser o mais trinitino dos homens? Ou dos homens, o que mais gosta de liquor de jenipapo? Pouco, mas o infame Sócrates pensou que em ser sábio residia um mérito. De fato, a valorização de uma sabedoria alicerçada do conhecimento e não na experiência, e que entre nós ocorre apenas de forma imaginária, começou com o infeliz Sócrates de Atenas.
Sócrates, a quem a fortuna não dera berço creu que poderia se tornar bom; mas para se tornar bom era necessário ressemantizar o conceito, o que antes de tudo implicava em desconstruir o que até ali houvera. Sócrates entendeu que as bases de tudo estavam alicerçadas na tradição e que esta podia ser reduzida a areia por um novo veneno: a sua análise racional. A serpente que os helênicos criaram, finalmente lhes mordera os pés.
Sócrates é categórico: nada se sabe. Mas mais que isso: nada se pode saber. Se a primeira frase era apenas um grito de rancor de um espírito mesquinho, que de fato apenas serviria para demonstrar que o conhecimento e logo, a verdade, não podiam alicerçar nada de sólido, a segunda implicação era o próprio reconhecimento da derrota humana.
Ora o conhecimento não tem apenas uma forma racional. Mas à sua forma racional tentou reduzi-lo Sócrates, negando a intuição, o mito e a maneira como as coisas se nos apresentam. Viu que na realidade saber era algo difícil e que ele, dentre todos os homens parecia saber o que de mais sólido houvera até então: que nada sabia. Todos os demais eram tolos. Para elevar-se ele rebaixara a humanidade inteira e destruíra o que de mais caro os seus ancestrais construíram nos mil anos que o antecederam: uma confiança inabalável na força de seus valores.
Sócrates primeiro relativizara estes valores e não contente criara para eles, falácias. A Grécia fora golpeada de morte. E com ela, o ocidente, nos séculos todos que viriam. A verdade é digna por si mesma: um erro e um golpe nas gostas. Só a verdade ilumina: a espada que se crava no peito.
Para se ter uma idéia da importância disso, basta dizer que os erros seguintes, a saber o de Platão e o do Inimigo da humanidade se alicerçaram neste fato. Num mundo como o nosso em que a verdade é uma coisa muito frágil (e neste sentido Sócrates o percebera bem) exige-se uma coisa mais forte para escorar os espíritos mais fracos: a religião, cuja "verdade" é extemporânea, universal e inabalável.
Aliás, não são poucos os religiosos que com veemência e grasnar de patos doentes criticam a debilidade e mutabilidade das verdades científicas, como se isso mesmo não fosse o seu maior triunfo, como se realmente ela fosse assim tão importante. Mas qual! Ela é, pois Sócrates afinal, a tornara suprema. E em sendo ela tão frágil não demoraram os corvos a perceber isso e lha violentarem e tomarem-na para si e a latir:
_Tenho uma verdade e ela é a força das idéias! (Platão)
_Minha verdade é ainda maior: neguem a vida e tudo o que a transborda, por que há o Redentor e a além-vida, onde nós, os fracos, os débeis, os escravos, seremos justificados! (Paulo de Tarso).
Sócrates mereceu morrer e o único, na verdade o injustificável erro que cometeram os atenienses foi terem demorado tanto para perceber que o mal se alastrava entre eles e que era Sócrates o semeador do veneno que tomaria conta de uma serpente até então tão boa: a racionalidade.

7.3.06

O EU PROFUNDO (À FALTA DOS OUTROS EUS...)


Hora Grave
Quem agora chora em algum lugar do mundo,
Sem razão chora no mundo,
Chora por mim.

Quem agora ri em algum lugar na noite,
Sem razão ri dentro da noite,
Ri-se de mim.

Quem agora caminha em algum lugar no mundo,
Sem razão caminha no mundo,
Vem até mim.

Quem agora morre em algum lugar no mundo,
Sem razão morre no mundo,
Olha para mim.

É assim: se sobre alguma coisa alguém falou algo mais belo, por que tagarelar? Não tagarelo: as pessoas não podem ser constrangidas a ler! Mas fica assim, moça: eu sei, tu sabes. E agora sabes mais: há inclusive certa reciprocidade. Só não há como...
A vida não é uma coisa estranha? É estranho DESEJAR e não poder voar. Eu queria voar... Quem não queria? Apenas nos acostumaos ao chão. A gravidade nos força a tal... Mas a tantas leis que criaram os próprios homens, que não são naturais...
Queria poder... Eu queria tanta coisa! Você, que me lê, também não quer muito? E às vezes pode, apenas não lhe é permitido? Não te premem? Então me entende. E é isso. Não posso, como me seria agradável, mesquinhamente, sem quaisquer promessa de futuro, passar minha mão sobre sua face. É como disse um certo poeta: só resta um tango argentino!
Então, à baila! Ou não?!?

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