18.2.06

IMAGENS DO EXÍLIO: ABANDONO


O que há de tão encantador no sofrimento? Por quê é tão fácil acorrentar-se a palavras invisíveis? Dia após dia, mesmo com a consciência esclarecida, sou incapaz de livrar-me destes laços. Ao contrário, sinto que cada vez afundo mais numa tristeza pantanosa, lúgubre e soturna. Não há sol radiante de verão ou riso alegre e inocente de criança que me faça renunciar ao sofrimento. Em tudo há sombra: tenho olhos obscuros. É como se não houvesse ar fora de mim. E, no entanto, nada justifica esta tristeza: apenas egoísmo de menina.

Um filete de razão conduz-me à realidade. As coisas como são, não como as vejo. Que importo eu, no meio de outros tantos? Não é digno o cuidado que dispenso ao meu delírio. Não é justa esta dor, no fim, para comigo. Capricho, importância exagerada. Falta de altivez, nobreza e hombridade.

Ainda que às mulheres se permitissem veleidades, por que eu aceitaria a complacência alheia? Não sou Márcia ou Hélvia para que me escrevam cartas de consolo. A insignificância do meu mal é o que o perverte e só a mim cabe sublimá-lo.

O espírito, assim, na dor forjado, será capaz do justo sacrifício. Retomarei minha honra e meu orgulho calcando sob os pés o inútil sofrimento. A este fecho os olhos, vedo o peito. Que nem mais um instante me roube a tola fantasia. Transfigure-se meu rosto em pedra firme, estável sob toda circunstância. Embora sangre-me a alma sob a rocha, que apenas eu tenha ciência desta falha. A indiferença exterior a secará, para que reste apenas a emoção abnegada.

Júlia Petrosi (a quem agradeço sinceramentre pela permissão de publicar este texto)

12.2.06

CARTA DO EMBAIXADOR DA VENEZUELA À ROBERTO CIVITA


Brasília, 06 de fevereiro de 2006

"Sr. Roberto Civita Editor Revista VEJA

Senhor Civita, permita-me iniciar esta carta com o reconhecimento à tenacidade com que seus colunistas se dedicam à tarefa de impor a verdade da mídia. Nisto, tenho certeza, seriam a inveja do mesmo Joseph Goebbels. Não obstante, permita-me também lhe aconselhar que diminua o esforço para o bem da saúde mental de seus escreventes, uma vez que o mundo que lê VEJA está convencido de sua ária pureza jornalística, de que vocês, dentro do mais tradicional esquema de jornalismo conservador –tanto na técnica como no conteúdo- se sentem donos da verdade. Já sabemos, senhor Civita, que dentro de VEJA transita o dogma e a fortaleza própria do invulnerável, que qualquer coisa que esteja fora de sua linha ou do seu âmbito ideológico é errada, que vocês estão convencidos -e são capazes de morrer por isso- de que nada diferente do que escrevem pode existir fora de suas linhas.

É óbvio, senhor Civita, que VEJA é mais que uma simples revista. VEJA é um templo sem sacerdotes, ali só há deuses, pois somente os deuses geram verdades inquestionáveis. Esta condição divina é notória, por exemplo, nas fotografias que acompanham as colunas. Veja o senhor, repare bem, na postura esnobe de Tales Alvarenga, ou no olhar onipotente de Diogo Mainardi. Coitado de quem entrar no âmbito de sua ira! Será condenado para sempre ao inferno!

Ou não é verdade que somente eles conhecem aquilo que adoece o mundo e são capazes de condená-lo?

É, senhor Civita, também sabemos. Sabemos que a Veja condena sem julgar, porque a verdade da mídia não requer trâmites desta índole, nem está aí para isso, não é? Digo, para julgar, porque o jornalismo – segundo ensina a filosofia da comunicação e todos os códigos da ética- não está projetado para ser juiz, senão para se dedicar à tarefa de mostrar os diversos ângulos da realidade que é apresentada ao mundo e deixar que sejam outros os que julguem.

Mesmo assim, devo confessar-lhe que também não acredito muito nisto e que estou mais próximo de admirar um jornalismo menos frio e objetivo, a um jornalismo que não transforme os fatos humanos em simples coisas de tipografia, tinta e papel. Devo confessar-lhe que, igualmente a no meu país, prefiro um jornalismo mais combativo, distante dessa ficção que denominam “objetividade jornalística” e próximo àquela pro atividade ética que já indicava John Dos Passos na sua novela Paralelo 42 – que acredito que o senhor tenha lido alguma vez -: “o anelo de todo jornalista era desentranhar o significado exato de toda mudança operada na realidade”.

Vê, senhor Civita, Dos Passos escreve “o significado exato”, nós nos perguntamos de imediato de que se trata isso? E ficaríamos órfãos de entendimento a respeito se não tivéssemos a capacidade de relacioná-lo com essa maravilhosa palavra que é “desentranhar”, que significa, dentre outras cosas, averiguar, penetrar o mais difícil e escondido de uma matéria.

Cobra uma melhor e mais digna dimensão profissional e ética com isto a tarefa jornalística, não é assim, senhor Civita? Veja, o jornalista é uma pessoa que se submerge na realidade dos fatos, esquadrinha as suas entranhas, examina os detalhes, se desliza com sigilo entre as aristas, observa atento seus diversos ângulos e os traz todos até a superfície, para dar a oportunidade de que qualquer um que passe perto de suas bordas possa senti-las e armá-las como uma realidade mais ou menos objetiva, mas principalmente humana.

E eis aqui um dos significados da palavra “desentranhar” de que mais gosto, aquele que a apresenta como um ato voluntário de desapropriação. Nada mais humano do que desapropriar-se de tudo que se tem e se conhece para entregar ao outro com a vontade ética, social e humana que possa ajudá-lo a compreen
der.

Lástima, senhor Civita, mas não vejo isto no olhar dos seus colunistas, pelo menos nesse que mostram as fotografias que acompanham suas colunas.
O que é bem certo é que VEJA também não crê nem pratica o contra-sentido da objetividade jornalística. O terrível é que também não responde a isto com sentido ético, porque para VEJA o mundo adoece de um mal universal: tudo o que é sensivelmente humano fede.

É por isso que entendemos esse afã por listar nomes que, repito, desde sua ária pureza jornalística, são indesejáveis, imprescindíveis, tolos, tiranos e vagabundos que devem ser exterminados para o bem do mundo que VEJA representa, um mundo uníssono, que avança na direção de um cenário globalizado de conseqüências únicas, perfeitas e sem objeção, onde uma nova religião começa a concretizar-se com rezas e acordos de compra e venda. É por isso que para vocês nosso presidente Hugo Chávez leva uma lista longa de qualificativos indesejáveis, como tirano, ditador, assassino, populista, palhaço, louco, etc, e Bush, George W. Bush, o mesmo da guerra no Iraque, é apenas um homem preocupado pela harmonia e a paz do mundo.

Pois bem, senhor Civita, nesta nova carta que agora lhe envio – e que sei que não será publicada na Veja -, além de expressar-lhe os sentimentos acima descritos quero também aproveitar para fechar com duas coisas importantes.

A primeira é a formulação de uma queixa oficial contra sua empregada Daniela Pinheiro, quem entre a grande quantidade de mentiras que escreve no seu artigo “Com dinheiro do povo”, edição N° 1941 de 01 de fevereiro de 2006, assegura que “o embaixador da Venezuela admitiu na semana passada que é possível que Chávez assista ao desfile da Marquês de Sapucaí”, quando na realidade o que foi dito foi que era pouco provável que o presidente assistisse –mas é claro, tudo vale quando se trata de jornalistas que não se apegam à objetividade, mas sim à interpretação jornalística pouco desapropriada de interesses… serão econômicos ou ideológicos? - pode o senhor sanar esta dúvida, senhor Civita?

A segunda é uma simples recomendação, e a inicio com uma pergunta: ouviu o senhor alguma vez Alfredo Bryce Echenique quando se refere à posição humana do homem diante da vida e da realidade? Repare, ele disse a respeito, que “na vida, a única objetividade possível é a subjetividade bem intencionada”. Nós cremos no mesmo do jornalismo, cremos que este é o sentido exato que deve praticar-se nesta profissão frente a esse contra-sentido da objetividade a secas. Por quê? Simples. Porque o jornalismo não é um templo de deuses, mas uma praça de vizinhança."


Julio García Montoya
Embaixador da República Bolivariana da Venezuela

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